Entrevista com Silva Santos
Diretora de "Frederico Simões Barbosa: Ciência e Compromisso Social" fala a respeito de como o documentário contribui para o campo da comunicação e saúde e para a cultura
Como surgiu a ideia e como você encontrou o personagem e o que ele lhe provocou, enquanto pessoa, documentarista, profissional da comunicação e saúde?
Quando deixei a VideoSaúde e comecei a trabalhar no Instituto de Pesquisas Aggeu Magalhães (IAM), que é a unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, em fevereiro de 2000, encontrei em uma das salas do então chamado NICC (Núcleo de Informação Cientifica e de Comunicação) o livro “Memórias Revisitadas – O Instituto Aggeu Magalhães na vida de seus personagens”. A publicação é resultado de um projeto institucional “História e Memória do IAM” realizado em 1995 e reúne histórias de vida de 18 profissionais ligados a instituição, entre elas a do primeiro diretor, o médico sanitarista Frederico Simões Barbosa. O depoimento do professor Frederico me chamou a atenção inicialmente por revelar uma trajetória profissional marcada fortemente por um compromisso social e político. Influências importantes são reveladas na narrativa, tais como a do avô, o médico e deputado Adolpho Simões Barbosa, bem como a do médico paulista Samuel Pessoa. O depoimento dá também a conhecer episódios importantes da vida dele, sobretudo aqueles relacionados às pesquisas realizadas sobre a esquistossomose, em especial a luta empreendida para demonstrar o que ele chamava de equívoco científico, ou seja, o uso do moluscicida (substância tóxica usada para matar os caramujos) no controle da enfermidade; as perseguições que sofreu quando professor do curso de medicina comunitária na Universidade Nacional de Brasília nos anos de 1970 e preocupações que ele tinha com a formação médica, a formação de sanitaristas. A primeira questão que gostaria de chamar atenção, portanto é que o documentário tem por base um depoimento dado para um projeto de história oral. E destaco aqui o historiador francês, Philippe Joutard, quando afirma que é por meio da história oral “que se pode aprender com mais clareza as verdadeiras razões de uma decisão; que se descobre o valor das malhas tão eficientes quanto as estruturas oficialmente reconhecidas e visíveis; que se penetra no mundo do imaginário e do simbólico, que é tanto motor e criador da historia quanto o universo racional”. Daí quando a Direção do Instituto de Pesquisa decidiu comemorar o centenário de nascimento do pesquisador dei a sugestão de realização do audiovisual.
Com um personagem tão rico, tão reconhecidamente complexo e multidimensional na forma de ser, de atuar e de intervir na realidade, como se organizou e qual ou quais referências você considerou para construir a trajetória do Frederico no documentário? Fale um pouco para nós sobre o processo de realização do documentário.
O primeiro grande desafio foi adaptar uma narrativa oral para o meio audiovisual, principalmente porque do biografado eu só contava com a entrevista oral e algumas poucas imagens em movimento dele. Sabemos que um dos desafios da realização de documentários, em especial os de arquivo, é depender muito mais das palavras que das imagens, ou que as imagens apenas apoiem o texto da narração. O ritmo e o fluxo das imagens, como preconiza o diretor de cinema e professor Alan Rosenthal, deve ser a preocupação primeira, “e as palavras devem ser escritas para as imagens ao invés de as imagens se ajustarem às palavras”. Daí veio o seguindo desafio: a busca por imagens de arquivo. Com o tempo para produção e orçamento apertados a tarefa tornou-se ainda mais árdua. Outra peleja foi a edição do depoimento, que tem originalmente a duração 3h e 15 minutos. Desse total, foram editados aproximadamente 20 minutos. Escolher os trechos que iriam ser editados foi uma das fases mais difíceis.
Por último, quais contribuições você considera possíveis que o documentário sobre Frederico pode trazer para comunicação e saúde, e para cultura?
Acredito que a maior contribuição do documentário é dar visibilidade, para um público não acadêmico, dos trabalhos realizados pelo pesquisador. Apesar da importância dele para o desenvolvimento da ciência e da saúde pública, muitos brasileiros ainda não conhecem a sua trajetória intelectual e profissional. Acho também que o audiovisual contribui para a discussão sobre o cinema, em particular o documentário biográfico, e sobre os usos da história oral. Sua confecção exigiu uma intertextualidade que reuniu fotografias, filmes de arquivo, trilha sonora e entrevistas realizadas na atualidade, permitindo ainda demonstrar a importância da história oral e da necessidade, na contemporaneidade, de dar novos sentidos às fontes orais. E, por fim, por meio da história de Frederico Simões Barbosa é possível contar um pedaço da história da saúde pública brasileira.
por Sergio Brito e Michele Nacif, 19/05/2017
Crédito da foto: arquivo pessoal